Minha inconsistência agora vence a tua intuição. Contradizem-se minhas atitudes e minhas opiniões, te confundindo até no que fora um dia o mais óbvio reflexo de meu corpo. Vejo teu pensamento voar como gaivotas na praia, alheias à brisa transformada em vento costeiro e me pergunto das viagens que sua imaginação estará tecendo, por onde e como estará me vendo. Longe dali estarei eu, agindo conforme meus propósitos e valores - alguns adquiridos, outros presenteados com amarelos sorrisos; mas que formam, ora harmonica ora independentes entre si, a minha virtude e o meu defeito -, construindo-me sempre pelas negações da estrada.
Fomos muito. Somos pouco, quase nada. Mas como chamar de nada o que ainda vive, ainda que de sombras (estas também não precisam da luz para existir?) de um passado há muito passado. Sombras são falsas. Nos dão a impressão de uma realidade que não sobrevive e não se sustenta, na qual um chão pode ser tão rígido como um tapete pronto para ser puxado. Atenho-me aos detalhes não porque sou minucioso, mas porque sei que é neles que mora a intenção, a "verdade" naquilo que se diz ou não, que se beija ou não. Mudo agora porque sou capaz de absorver a lição do tombo e do ferimento. Ainda que de touro, a mais teimosa e empírica das criaturas, é preciso aprender também com os passos, sucessos e insucessos daqueles que nos cercam e dos quais conhecemos bem a verdade. O sopro da mudança é placebo, só faz efeito se houver vontade e, por isso, sopra de dentro pra fora. Qualquer vento é vento, a qualquer tempo surgem oportunidades e morrem tantas outras.
Portanto, tenhamos a consciência do tudo que fazemos, do tamanho de nossas palavras e pensamentos, tão efêmeros quanto agressivos. Sejamos responsáveis pelas consequências nesse mundo tão inconsequente e cruel. Toma como um gole pesado e incômodo essas palavras de desconforto e mudança para que, talvez no sono ou na digestão, elas te mostrem um novo caminho, uma nova postura. Sê mais razoável, não flexível ou calculista, mas apenas razoável. Pensa antes, para não lamentar depois. Talvez assim, nosso mundo assim como seus olhos serão mais verdes.
Be Abreu.
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